Deusas e Deuses


"Muitos crêem que os humanos criaram as divindades, e que podem desfazê-las novamente; mas nós, que as vimos passar com seus arreios tilintantes e trajando túnicas suaves, nós que ouvimos suas vozes articuladas enquanto permanecíamos como que em transe mortal, sabemos que eles estão constantemente criando e desfazendo a humanidade". William Butler Yeats,  em Rosa Alchemica.

Falar dos Deuses e Deusas é bastante complexo, não tão fácil quanto possa parecer. Muitos acham que Eles vivem em outras dimensões, outros  que vieram das estrelas, podem ser nossos ancestrais;  há os que pensam que são apenas meros arquétipos, símbolos de energias; e ainda há os que não acreditam Neles, vendo–Os apenas como lendas folclóricas sem fundamento algum. Esta última hipótese está completamente fora de questão, vide as palavras de Yeats no início deste texto. Quanto ao fato de serem apenas energias e arquétipos, embora alguns pagãos Os vejam assim, não concordo e acho que esta visão esta mais para um trabalho  psico-terapêutico do que espiritual. Não que os Deuses não possam nos ajudar a trabalhar nossas energias e nosso autoconhecimento, mas isto é só uma ajudinha que Eles nos dão, quando querem,  sem sair de seus pedestais. Podemos sim, com muito conhecimento e trabalho, controlar os elementos: fogo, terra, água e ar; mas os Deuses não, seria muita prepotência de nossa parte.

  Talvez a minha forma de pensar destoe de muitos grupos dentro do vasto caminho pagão, mas tenho certeza que também se afina com muitos outros caminhos dentro desta ampla senda que é o Paganismo. E como poderia deixar de ser? Paganismo, religião que tem como base a Natureza, esta, tão vasta, tão cheia  de diferenças e que mesmo assim, e  provavelmente, por isto mesmo, é tão harmônica. Também sou do time que não acredita que as Deusas são várias facetas de uma mesma Deusa, assim como os Deuses são vários aspectos do Deus. Mesmo vendo e sentindo a Criação como feminina, acredito nas Deusas como entidades específicas, com personalidades e identidades próprias; o mesmo se dá em relação aos inúmeros Deuses. Os Deuses e Deusas existem! São seres sagrados, supremos e super poderosos.
  
 Exatamente por acreditar nos Deuses como entidades reais, e não como meros arquétipos, procuro não misturar os panteões num mesmo ritual ou altar. Aliás, esta visão de ver os Deuses apenas como energias vem da magia cerimonial. Embora, a grande ocultista do século passado Dione Fortune já aconselhasse a não misturar os panteões na hora de um trabalho mágico, ou no próprio altar. Acho que essa questão da mistura veio desse boom da Nova Era, onde todos acham que tudo pode ser harmonizado, basta querermos. Infelizmente não é tão simples assim. Não só a intenção vale, apesar dela ser de extrema importância, mas bom-senso e, principalmente, um vasto e profundo conhecimento são de vital importância para o sucesso de qualquer trabalho mágico, seja ele qual for. Mesmo não acreditando em inferno, concordo plenamente com o sentido do provérbio “De boas intenções o inferno está cheio”.

Os Druidas não misturavam panteões e hoje em dia o Paganismo Celta tende a fazer o mesmo. Para se ter um ideia, estudos históricos e arqueológicos mostram que os povos celtas não misturavam nem mesmo os panteões celtas. Isto provavelmente é devido também ao fato de que esses povos reverenciavam Deuses locais. Por isto os Deuses irlandeses não se misturavam com os Deuses galeses, nem gauleses. Se pararmos para pensar veremos que os egípcios também não misturavam seus Deuses com os de outras culturas. E quantas outras culturas também não foram assim? Então, já que nos identificamos e gostamos de Deuses de outra, ou outras, culturas, devemos manter uma relação com Eles dentro de seus moldes. Cada cultura tem seus próprios ditames que devem ser respeitados. Não podemos, por exemplo, homenagearmos Deuses Irlandeses da mesma forma que homenageamos Deuses gregos. Todo este cuidado é a primeira indicação de respeito e conhecimento mais profundo que devemos ter pelos Deuses de qualquer panteão. E é algo muito importante para mantermos as energias em harmonia. Por exemplo, há muitos Deuses de um mesmo panteão que não se relacionam bem entre si. Seria desastroso, então, os colocarmos num mesmo ritual. É a mesma coisa que acontece quando nos preocupamos em não convidar para nossa casa, no mesmo dia, dois amigos nossos que não se dão bem. Se uma situação dessas acontece é, no mínimo, constrangedora com seres humanos, imagina com seres poderosos como os Deuses!
   
Não podemos esquecer que quando realizamos um ritual, ou fazemos uma celebração, estamos homenageando, ou mesmo pedindo algo aos Deuses. Você gostaria que lhe fizessem uma homenagem junto a alguém com quem você não se dá bem, ou mesmo desconhece? Ou gostaria de ser homenageado com comidas que não gosta, ou ganhar presentes que nada significam para você? Imagina os Deuses! É por isto que é tão importante estudarmos os Deuses e suas histórias a fundo. Outro motivo é que só travamos uma relação íntima com alguém quando conhecemos bem essa pessoa, não é mesmo? Não convidamos para a nossa casa alguém que não conhecemos de fato. Com os Deuses é a mesma coisa. Por isto é importante conhecer suas histórias, personalidades e características, e aí, sim, travar uma relação, começar a construir um relacionamento.
   
 Chegamos então, a outro ponto: como travar uma relação com os Deuses. Invocar ou evocar? Ah, você não sabe que há uma diferença? Há, e muita! A invocação é quando pedimos ajuda e inspiração aos Deuses. Evocação é quando chamamos a divindade para se manifestar para nós.Tudos isto deve ser feito com discernimento para podermos saber quando estamos fazendo um ou outro. Geralmente o propósito é invocar, mas quando começamos uma frase com “chamo a presença da Deusa fulana...”, ou “venha a mim, Deusa tal...”, estamos, na verdade, evocando. E há certos Deuses que devemos tomar cuidado ao evocar.  Geralmente os que vêm os Deuses como energias e arquétipos evocam à vontade e não se importam muito com essa distinção. Mas aí está todo o perigo porque mesmo a pessoa achando que está trabalhando apenas com um arquétipo, na verdade ela está evocando algo muito maior. Tudo isto também vai depender do poder da cada um, mas muitos não têm ideia do poder que carregam dento de si. Portanto o meu conselho é que no geral invoquemos.

 Por tudo abordado até agora você pode me perguntar: “Ah, então fica mais fácil ver os Deuses como arquétipos do que como entidades reais?” E eu respondo: “Sim, concordo.” Mas a questão aqui não é o que é mais fácil e sim oque é! Lembrando que muitas vezes o caminho mais fácil não é de fato o melhor, nem mesmo o verdadeiro. E não adianta agir de uma forma, se não sentimos assim. Portanto, procure sentir os Deuses e Eles lhe apontarão o caminho.
  
E como sentir os Deuses? Como manter uma relação com Eles? Em primeiro lugar, estudar sobre Eles. A partir daí podemos montar “nossos” altares e fazer oferendas como flores, frutas, bebidas, sementes, pães, leite – tudo isto vai variar de acordo com a divindade e o panteão a que pertence. Os rituais e celebrações também são ótimos momentos para estabelecermos uma ligação com os Deuses que pode ser  perpetuada e intensificada através de preces, meditações e das oferendas. Cada um precisa achar seu próprio ritmo e sentir quando fazer uma oferenda, por exemplo. Pessoalmente, eu  deixo-as apenas para os festivais. Já as orações e contemplações em frente ao altar procuro fazê-las diariamente. É você quem vai sentir o seu ritmo e a sua necessidade ... e também as dos Deuses
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 Anna Leão. Todos os direitos reservados.


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